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Do colapso ao controle: como a biotecnologia de precisão e os probióticos podem redefinir a era pós-antibióticos
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Do colapso ao controle: como a biotecnologia de precisão e os probióticos podem redefinir a era pós-antibióticos 4c2q19

Por Dr. Deivis O. Guimarães* 6t5t6n

O uso excessivo de antibióticos de amplo espectro é uma das maiores ameaças silenciosas à saúde global, e talvez um dos temas mais subestimados pela sociedade e até por parte da classe médica. Neste artigo, quero trazer uma reflexão baseada em ciência, mas com linguagem ível, sobre como a biotecnologia de precisão e os probióticos inteligentes podem mudar esse cenário. Você vai descobrir curiosidades sobre a microbiota que talvez nunca tenha ouvido falar, entender como as bactérias resistentes estão ganhando terreno mesmo sem alarde e por que a medicina moderna precisa urgentemente rever seus paradigmas. Te convido a ler, refletir e compartilhar este conteúdo com quem se preocupa com o futuro da saúde, não é apenas um debate técnico, é uma questão de sobrevivência coletiva.

O que é medicina de precisão e por que ela importa

Em um mundo onde um simples corte na pele já foi motivo de medo de morte por infecção, os antibióticos surgiram como uma das maiores conquistas da medicina moderna. No entanto, o uso indiscriminado transformou o que era cura em um fator de risco silencioso, e hoje, estamos às portas de uma crise sanitária global, marcada pelo avanço dos micro-organismos resistentes a múltiplos fármacos. A Organização Mundial da Saúde já classificou a resistência antimicrobiana como uma das dez principais ameaças à saúde humana, e não estamos falando de um problema futuro: ele já está presente no cotidiano de hospitais, clínicas, lavouras e até da água que consumimos.

De acordo com Murray et al. (2022), publicado na The Lancet, estima-se que mais de 1,2 milhão de mortes ocorreram em 2019 diretamente em função de infecções por bactérias resistentes, e quase 5 milhões estiveram associadas a essas infecções. O que era um sinal de progresso virou, silenciosamente, uma ameaça real à continuidade de tratamentos médicos básicos, como cesarianas, cirurgias ortopédicas e quimioterapias.

Os bastidores invisíveis da resistência antimicrobiana

A resistência antimicrobiana é muitas vezes vista como um problema microbiológico isolado, mas seu impacto vai além. Ela é multifatorial, complexa e alimentada por práticas humanas equivocadas. Um relatório do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) de 2019 já alertava para a ascensão de superbactérias  como Carbapenem-resistant  Enterobacteriaceae, Neisseria  gonorrhoeae resistente e Clostridioides difficile, destacando que só nos EUA ocorrem cerca de 2,8 milhões de infecções resistentes por ano. No Brasil, dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) mostram que mais de 50% das amostras hospitalares de Klebsiella pneumoniae já são resistentes a carbapenêmicos.

O uso intensivo de antibióticos em humanos e animais não só mata os patógenos, como destrói a microbiota saudável, e isso gera disbiose, abre caminho para infecções oportunistas e reduz a eficácia de futuras intervenções terapêuticas. A perda da biodiversidade microbiana do corpo humano também está associada a doenças autoimunes, obesidade, distúrbios metabólicos e até transtornos neurológicos, como demonstrado por Zmora et al. (2018) na revista Cell.

Probióticos: aliados esquecidos na era dos antibióticos

Durante muito tempo, os probióticos foram relegados a uma categoria quase estética da saúde intestinal, mas nos últimos anos, o avanço da metagenômica, da transcriptômica e da metabolômica revelou o potencial terapêutico real desses micro-organismos. De acordo com estudo publicado na Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology (Hill et al., 2014), os probióticos modulam a resposta imune, restauram barreiras epiteliais e competem com patógenos por nutrientes e espaço.

Em 2020, um ensaio clínico duplo-cego randomizado publicado no Journal of Hospital Infection mostrou que o uso do probiótico Saccharomyces boulardii reduziu em 38% a incidência de infecção por C. difficile em pacientes expostos a antibióticos de amplo espectro. Já uma metanálise da Cochrane Library (Goldenberg et al., 2017) confirmou que probióticos reduzem significativamente o risco de diarreia associada a antibióticos, uma complicação muitas vezes ignorada, mas com potencial de levar à morte em idosos e imunocomprometidos.

Biotecnologia de precisão: uma medicina que enxerga o invisível

A era da biotecnologia de precisão trouxe a possibilidade de tratar não apenas o patógeno, mas o ecossistema como um todo, utilizando análises genéticas, bioinformática e inteligência artificial, já é possível identificar o perfil da microbiota de um indivíduo e, com base nisso, desenvolver probióticos personalizados. Essa abordagem reduz o risco de disbiose, aumenta a eficácia do tratamento e permite um manejo preventivo, o que representa uma ruptura com o modelo reativo da medicina tradicional.

Exemplo disso são os probióticos encapsulados por nanotecnologia lipídica, que chegam ao intestino com alta taxa de viabilidade, liberando ativos específicos apenas no local de ação. Em 2023, um estudo conduzido pela Universidade de Osaka, no Japão, demonstrou que esse tipo de encapsulamento aumentou em 87% a taxa de adesão dos micro-organismos à mucosa intestinal, promovendo maior eficácia terapêutica mesmo em pacientes submetidos a regimes antibióticos agressivos.

Microbiota como escudo invisível da saúde pública

A microbiota humana é composta por trilhões de micro-organismos que desempenham funções fundamentais na digestão, na imunidade e na proteção contra invasores externos, sendo que um corpo humano saudável abriga mais células bacterianas do que humanas, e a maioria vive em simbiose conosco. Quando essa simbiose é rompida, seja por antibióticos, dieta pobre, estresse ou doenças, o corpo se torna vulnerável.

Estudo publicado na revista Science Translational Medicine (Buffie et al., 2015) mostrou que pacientes com microbiota preservada tinham maior resistência à colonização por cepas multirresistentes após o uso de antibióticos. Isso reforça o papel estratégico da microbiota como escudo protetor, cuja manutenção deveria ser parte do protocolo clínico em qualquer tratamento de risco.

O futuro dos antimicrobianos: menos química, mais equilíbrio

O futuro do combate às infecções a pela coexistência de estratégias, os antibióticos continuarão sendo fundamentais, mas sua eficácia dependerá do contexto em que são istrados, e integrar terapias antimicrobianas com probióticos inteligentes, bacteriófagos, metabólitos bioativos e intervenções dietéticas personalizadas será o novo normal.

O mais promissor é que essa revolução já começou, países como Suécia, Israel e Canadá já incorporam protocolos de restauração de microbiota em seus sistemas públicos de saúde. No Brasil, projetos liderados por universidades federais, startups biotecnológicas e instituições de pesquisa como a GOn1 Biotech têm desenvolvido soluções que associam probióticos a formulações vitamínicas com resultados clínicos promissores.

Curiosidades que você talvez não saiba

  • A microbiota pode pesar até 2 kg e contém mais de 3 milhões de genes, enquanto o genoma humano tem apenas 23 mil;
  • Algumas bactérias intestinais produzem neurotransmissores como serotonina e GABA, influenciando diretamente o humor e o comportamento;
  • Existe um eixo direto entre intestino, cérebro e sistema imune, chamado eixo intestino-cérebro, cujas disfunções estão associadas a doenças como Alzheimer, autismo e depressão;
  • Cerca de 70% do sistema imunológico humano está localizado no intestino, reforçando a importância da microbiota na prevenção de infecções.

Conclusão: mudar a abordagem, não apenas a substância

A crise da resistência antimicrobiana não será resolvida com novos antibióticos, mas com uma nova forma de pensar a saúde, e é preciso integrar ciência, tecnologia e visão ecológica da medicina. Probióticos não são moda, são ferramentas científicas com impacto direto na qualidade de vida, no tempo de recuperação e na prevenção de doenças graves, e o investimento em biotecnologia de precisão não é luxo, é estratégia de sobrevivência coletiva.

Se queremos continuar avançando como civilização, precisamos aprender a proteger aquilo que nos protege, e isso começa com o respeito à microbiota e com o uso inteligente das ferramentas que a ciência já nos oferece. O futuro da medicina será micro, será simbiótico e, acima de tudo, será integrado.

Referências bibliográficas (formato ABNT)

  • BUFFIE, C. G. et al. Precision microbiome reconstitution restores bile acid mediated resistance to Clostridium difficile. Science Translational Medicine, v. 7, n. 310, 2015.
  • CDC. Antibiotic Resistance Threats in the United States. Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention, 2019.
  • GOLDENBERG, J. Z. et al. Probiotics for the prevention of Clostridium difficile-associated diarrhea in adults and children. Cochrane Database of Systematic Reviews, 2017.
  • HILL, C. et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology, v. 11, p. 506–514, 2014.
  • MURRAY, C. J. et al. Global burden of bacterial antimicrobial resistance in 2019: a systematic analysis. The Lancet, v. 399, p. 629–655, 2022.
  • ZMORA, N. et al. Personalized Gut Mucosal Colonization Resistance to Empiric Probiotics Is Associated with Unique Host and Microbiome Features. Cell, v. 174, n. 6, p. 1388-1405, 2018.

*Pesquisador e Diretor de pesquisa da Gon1 Biotech
Doutor Honoris Causa em Biotecnologia aplicada em saúde
Doutorando em gestão e tecnologia industrial: desenvolvimento de novos produtos

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